quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

A Propósito da Crise de Sobreprodução

Eu sei – ou imagino – que nesta fase da evolução das sociedades capitalistas deve ser dada primazia à intervenção directa. «Agitar», «ir a manifestações», «mobilizar e esclarecer»... Mas cada coisa tem o seu tempo e o seu lugar e, em todo o caso, um bocadinho de teoria nunca fez mal a ninguém.

Já tem sido assinalado repetidas vezes que estamos, desde há uns anos a esta parte, a viver em plena «crise de sobreprodução». Se me é permitido algum sarcasmo, mas considerando que estas coisas da economia devem sempre ser estudadas a partir da totalidade sistemica (o capitalismo como um todo à escala planetária) poderíamos também chamar a atenção para o facto que, de um ponto de vista das funções sistémicas dos diversos tipos de actores económicos, ao longo dos últimos anos o sistema produziu também um excesso de trabalhadores.

Será uma perspectiva «invertida» (o outro lado da moeda) do nível de desemprego a que se assiste em todo o mundo: «há trabalhadores a mais»... (Mas também «consumidores a menos»)

No passado histórico – de há uns séculos a esta parte – as saídas para as crises de sobreprodução têm sido sistematicamente as guerras e/ou a expansão geográfia e/ou demográfica (a dimensão dos mercados!...). Estas saídas têm estado sempre entreligadas. Mas (repito...) de um ponto de vista sistémico, e considerando as funções que cada parte componente desempenha no funcionamento do sistema como um todo, aquilo que todas estas saídas têm em comum, é a destruição de valor excedente entretanto produzido.

E digo «valor excedente» referindo-me a todo o valor «acumulado» e não absorvido pelo sistema no seu funcionamento regular ou normal, ou ainda segundo a sua própria lógica de incentivo à acumulação, mais do que ao consumo1.

Essa destruição de valor excedente assume (e tem assumido) várias formas, desde a destruição de «bens de produção» até à destruição de «bens de consumo». Exemplos concretos dessa necessidade de destruição de «valor excedente» (para resolver qualquer crise de sobreproduçao, tivemos a queima de sacos de café no Brasil dos anos Trinta do século passado, até às guerras de destruição de maquinaria e estruturas físicas acumuladas e, de certa maneira, passando também pelos «saldos» e «promoções» por esse mundo fora. De um ponto de vista do sistema orgânico que é a sociedade capitalista, tudo isso funciona como uma «purga» que se tornou necessária para «libertar» o sistema de tudo aquilo que é suposto «estar a mais» e «pôr a funcionar de novo» os diversos circuitos do sistema.

Entretanto, no caso da destruição de «máquinas» e do ponto de vista de cada capitalista, o que é mesmo bom é destruir as «máquinas» dos outros. É também por isso que temos tido a pressão capitalista para as guerras de «conquista», mas sobretudo de «destruição», por parte dos «capitalistas nacionais». Tal pressão era mais notória (ou mais descarada), enquanto as manifestações do sistema capitalista estavam ainda algo confinadas ao controle de distintos Estados nacionais soberanos.

Para continuar, (se...) pois receio que «isto» esteja exposto de maneira demasidamente abstracta...Mas, como é natural, deixo isso à avaliação e critério crítico de eventuais leitores. )

Seja como for, «isto» ainda vai dar para uns parágrafos de um livro em gestação muito lenta...

1Como é do conhecimento comum, o incentivo ao consumo surge depois do incentivo primário de acumulação. É como que uma resultante de «segunda ordem»... Vem depois. O incentivo à acumulação surge primeiro como imposição categórica e inelutável e por causa da «livre concorrência» nos mercados não regulados.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Aparentes Paradoxos da Teoria Quantitativa de Dinheiro

Aqui há dias, participando numa aula de uma «universidade senior» para que tinha sido convidado como palestrante (estou sempre disponível para tertúlias e afins para que me queiram convidar! ), um dos presentes colocou uma questão extremamente relevante (e actual...).
Só o adiantado da hora – o espaço utilizado tinha mesmo que fechar - impediu muitas e mais detalhadas explicações.
A questão levantada tinha a ver com os possíveis (ou eventuais) efeitos inflacionários de toda a massa monetária que tem sido criada para «incentivar a economia», assim como os montantes «astronómicos» parqueados no sistema mundial «offshore» e saltitando de refúgio fiscal em refúgio fiscal (os banqueiros chamam-lhes «contas saltitantes»). E alguns dos «seniores» presentes manifestaram uma legítima preocupação sobre o que poderia acontecer se (ou quando) toda essa massa monetária entrar em circulação (ou algo assim...).
A «teoria quantitativa da moeda» convencional diz-nos que o nível geral de preços é determinado («é função de»...) pela quantidade de dinheiro (a multiplicar pela velocidade de circulação da moeda) dividida pela quantidade de bens e serviços disponíveis para venda no mercado.
Este modelo explicativo, ainda que básico (ou rudimentar, dirão os mais sofisticados) tem alguma pertinência explicativa para a compreensão do que está a acontecer.
Todos aqueles mais curiosos destas coisas da economia e da História sabem o que foi a «inflação galopante» dos tempos da Alemanha a seguir ao fim da primeira guerra mundial. Mais recentemente foi notícia a hiper-inflação no Zimbabué. Tudo isso «porque havia dinheiro a mais em circulação».
Perante estes cenários parece perfeitamente normal que cada um se interrogue sobre o que pode acontecer (a todo o instante?...) à «nossa» inflação. Acontece que na tal equação acima referida, temos no numerador a «quantidade de dinheiro» e «velocidade de circulação» e, por outro lado, temos no denominador a «quantidade de bens e serviços disponíveis para venda».
Na situação actual temos que grande parte daquela (alarmante?...) massa monetária acima referida está parqueada (ênfase no «parqueada»...). Por outras palavras, grande parte (impossível saber quanto...) não circula (a não ser em circuito fechado no interior do sistema «offshore»...); ou seja, está parada. E quando circula não é para «ir às compras a qualquer centro comercial».
Por outro lado, no que respeita ao denominador da tal fracção, a quantidade de bens e serviços disponíveis é grande. Muito grande mesmo (vejam-se as promoções e saldos tornados corriqueiros ao longo de todo o ano...). Também em consequência da «crise de sobreprodução» em que estamos mergulhados de há uns anos a esta parte, parece que não haverá grandes razões para temer uma hiper inflação a curto ou médio prazo.
Os indíces de inflação em cada país são calculados com base num determinado «capaz de compras», e são afectados pelo «poder de compra» (a «procura efectiva») da esmagadora maioria da população. Parece que os «ferraris» e «lamborghinis» não entram naqueles cálculos. O poder de compra da esmagadora maioria da poplução está a sofrer cortes de há uns anos a esta parte. Na Alemanha, por exemplo, há uns vinte anos a esta parte que os trabalhadores não sabem o que são aumentos reais dos seus salários. Temos portanto uma quantidade de dinheiro razoavelmente estabilizada em procura efectiva de bens e serviços. Do «outro lado» temos uma quantidade de bens e serviços que até aumenta. É por isso que um dos grandes medos dos empresários é o risco oposto: o de uma deflação!
Entretanto, e para ajudar à complexidade disto tudo, e na medida em que a inflação é uma desvalorização efectiva do «valor» do dinheiro, a inflação joga sempre a favor dos devedores e contra os credores... Também por essa razão, os «nossos» credores não estão muito interessados em vir a despoletar uma hiperinflação, O melhor mesmo (para eles, claro...) é deixar estar todo aquele dinheiro «parqueado» no sistema «offshore». Assim, lá onde está, funciona como uma espada de Damocles que eles não querem que caia no pescoço dos devedores, mas que «nunca se sabe». E, por outro lado, sempre vai entrando pela porta errada (para sair de novo, claro), a  porta da «compra de dívida pública». Funciona assim como uma  forma de chantagem.
A questão fundamental que aqui então se deveria colocar é a de saber quando haverá coragem política para «call off the bluff» («cancelar o blefe» diz-me o tradutor autoimático... rsrsrs).  
Ou seja, riscar o montante da dívida, pelo menos na parte que diz respeito a pura ficção financeira.

sábado, 11 de janeiro de 2014

A Propósito de Desenvolvimento

Não sei como está hoje a situação no «universo académico» no que diz respeito a «Teorias do Desenvolvimento e do Subdesenvolvimento»...
Sei - é uma mera constatação empírica - que os esforços institucionais de «Ajuda Pública ao Desenvolvimento» (dos países menos desenvolvidos por parte dos países mais ricos) ltêm tido resultados pouco mais do que nulos. Já houve mesmo quem, a partir dos países recipientes da "Ajuda" que tenha como que implorado «por favor, parem de nos "ajudar"». Grande parte do crescimento económico - não confundir com desenvolvimento - dos países da África Subsahariana (são aqueles que sou suposto conhecer relativamente melhor...) veio ou teve origem no crescimento exponencial da economia chinesa, o qual crescimento implicou grandes volumes de importações de matérias-primas (a "especialidade" dos países menos desenvolvidos...). Quanto a desenvolvimento, isso já será uma outra história bem mais complicada do que os discursos oficiais de «Ajuda Pública ao Desenvolvimento». Para os mais cínicos, isso da APD até acabou por se converter numa excelente oportunidade de negócios e de aproveitamento dos respectivos fluxos financeiros internacionais.
O desapontamento que se veio a instalar com o falhanço (ou «não sucesso») dos programas de ajuda ao desenvolvimento, desapontamento esse que acaba por transparecer de uma leitura atenta dos relatórios anuais do PNUD-Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (veja-se a situação em que se encontram os ultra bem intencionados «Objectivos do Milénio», agora que se aproxima o ano referência de 2015...), veio a dar origem a "protestos", "choros" e "lamentações", assim como a alguns esboços de "propostas alternativas»...
Vem tudo isto a propósito de uma conferência - anunciada pelo CIDAC para dia 16 de Janeiro na Fundação Gulbenkian - em que Boaventura Sousa Santos se propõe falar sobre o tema «Do Desenvolvimento Alternativo às Alternativas ao Desenvolvimento».   
É muito capaz de valer a pena!